16 de abr. de 2011

A gata borralheira do sexo


Um conto de fadas ultramoderno que apresenta como elemento redentor o sexo. É assim que “Bruna Surfistinha” (2011), dirigido pelo estreante Marcus Baldini e protagonizado por Deborah Secco, passa longe de tecer uma leitura mais profunda sobre a indústria do sexo, para explorar o processo de transformação de uma menina em mulher por meio da prostituição. Inspirado na autobiografia “O Doce Veneno do Escorpião — Diário de uma garota de programa”, o filme narra a história de Raquel Pacheco, então uma tímida adolescente de classe média que decide fugir de casa e mudar de vida por sentir-se alheia a uma realidade marcada pela relação conflituosa com a família adotiva e pela perseguição na escola. Raquel passa a vender o próprio corpo como opção — rebeldia talvez, já que a necessidade é, sobretudo, moral, e não financeira.

Frente a esse processo de amadurecimento, a história de Raquel desenvolve-se em três atos principais: sua ascensão meteórica como garota de programa, seguida pela decadência provocada pelo abuso de drogas e, novamente, a ascensão para o desfecho feliz. A narrativa linear, permeada por flashbacks que tentam explicar o passado e as motivações da protagonista, inicia-se com um ensaio “sensual” de Raquel diante da webcam do computador. Vestindo uma camisola que remete ao infantil, ela dança e tenta seduzir o espectador voyeur. Em meio aos trejeitos desajeitados, afloram a tímida conquista do próprio corpo e a busca pela feminilidade. Um tanto atrapalhada, Raquel é apenas uma menina em constantes descobertas, inserida em um convívio conflituoso com as pessoas que a cercam. Em casa, enfrenta a rejeição do pai, a implicância do irmão e a omissão da mãe. Na escola, é perseguida e humilhada pelos colegas de classe. A prostituição aparece, portanto, como alternativa para conquistar a independência e sentir-se, de certa forma, desejada.

Ao fugir de casa, a jovem passa a trabalhar no clube privé da cafetina Larissa (Drica Moraes). Pode-se dizer que a nova realidade vai moldar uma “gata borralheira” às avessas. A Raquel menina assume, aos poucos, uma nova identidade para dar lugar à Bruna mulher. É a partir daí, então, que Baldini abandona o frescor inicial da inocência e oferece ao espectador uma profusão de cenas de sexo, sustentadas principalmente nas tomadas em close. O diretor centra-se na valorização de gestos, olhares e fisionomias, dando sempre enfoque ao corpo como objeto. A cena do primeiro programa de Bruna, por exemplo, é uma das mais emblemáticas do filme. Em plano fechado e sem cortes, a personagem encara a câmera, agarrada à cabeceira da cama, traduzindo apenas no olhar a carga emocional do momento. A sequência perde parte do impacto com a narração em off da protagonista, que confere um certo didatismo dispensável à cena. 

No entanto, se o filme de Baldini começa razoavelmente bem, os blocos seguintes desenvolvem uma narrativa que tenta, mas não consegue fugir dos lugares-comuns. A trajetória de Bruna Surfistinha vai da ascensão social e financeira à total degradação pelo abuso de cocaína, com final feliz garantido pela reascensão da personagem. Há espaço ainda para a imagem da mulher moderna e independente, já que Bruna dispensa a ajuda do “príncipe encantado” (Cássio Gabus Mendes) e vai buscar, ela mesma, a redenção. 

Com roteiro de José de Carvalho, Homero Olivetto e Antônia Pellegrino, “Bruna Surfistinha” transporta para as telas exatamente o que a protagonista fez em seu blog: detalha o dia-a-dia de uma garota de programa. Os poucos vislumbres apresentados inicialmente sobre quem está por trás da identidade Bruna permitem traçar apenas um esboço — e ainda assim descambam para os clichês. O longa opta por ficar na superficialidade. Perde-se entre o sexo, a nudez e a luxúria, tentando esconder moralismos típicos de contos de fadas.

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