1 de jun. de 2011

Quando o cinema também faz poesia

Combinando realismo e fantasia, o longa-metragem “Não se pode viver sem amor” (2010), dirigido pelo chileno Jorge Durán, constrói lirismos visuais para falar de uma necessidade pungente a todo ser humano, o amor. Durán faz poesia com imagens para contar três histórias paralelas que caminham, pouco a pouco, para um fim conjunto. Dotada de uma inventividade surrealista, a produção exige que o espectador vá além da mera passividade voyeurística e embarque em seu realismo fantástico. Brinca com o poder da imaginação ao desenvolver uma trama que, se começa com a procura, deslancha muito bem para terminar em encontro.

Na véspera de Natal, o menino Gabriel (Victor Navega Mott) chega ao Rio de Janeiro com a madrasta Roseli (Simone Spoladore) em busca do pai, que o abandonou quando ainda era um bebê. Na mesma cidade, Pedro (Ângelo Antonio) é um professor universitário dividido entre ficar com a família ou aceitar uma proposta de trabalho no exterior. Já João (Cauã Reymond), um advogado desempregado, procura desesperadamente uma forma de conseguir dinheiro para viver com a dançarina de boate Gilda (Fabiula Nascimento). Com a ajuda de uma câmera fluida, que assume certo grau de autonomia para passear pela cena, recortando olhares e trejeitos, o público vai sendo conduzido a cada eixo narrativo até que essas trajetórias interliguem-se em uma linha principal.

Sob o olhar minucioso de um poeta empenhado em extrair sentimentos entre rimas e estrofes, o cineasta chileno, que assina o roteiro ao lado de Dani Patarra, opta por encadear a narrativa a partir de três momentos principais, concluídos com o desfecho chave. A princípio, os três núcleos se cruzam por meio de objetos de cena e personagens secundários, em uma segunda etapa, os destinos de Pedro e João se encontram em uma situação de desespero, e, logo em seguida, a trajetória do professor atravessa a de Roseli e Gabriel.

Ao mesmo tempo, pontuando tudo isso, a mente fértil do menino oferece toques de ludismo e imaginação à história, suavizando as desilusões do mundo real para valorizar o poder de acreditar no improvável. Gabriel faz chover e ventar, dá vida a quadros e, inexplicavelmente, faz com que um homem pegue fogo. Invenção ou realidade? Pois é a partir desse jogo dúbio que Durán deixa, sabiamente, sua obra em aberto, a serviço da imaginação do próprio espectador, convidado a construir significados. Com nome de anjo, Gabriel pode ser dotado de poderes sobrenaturais e realizar milagres. Pode, ainda, ser apenas uma criança com o desejo de que o impossível aconteça. O objetivo não é definir certezas, mas dar espaço à fantasia.

Para ancorar a sensibilidade fílmica, o diretor vale-se de uma câmera que, a todo tempo, assume olhares e define posições, imergindo a plateia numa focalização interna aos personagens. Passa-se a tentativa de compartilhar experiências de subjetividade com alguém muito além da diegese. Na cena em que Pedro conversa com o pai, Antonio (Rogério Fróes), sobre relacionamentos amorosos, por exemplo, o emprego de um enquadramento frontal leva o personagem de Fróes a falar diretamente para a câmera. Por sua vez, quando ele diz que não se pode viver sem amor, a produção é conduzida a uma metalinguagem que reforça a noção desse espectador presente.

Filmado no centro do Rio de Janeiro, na Zona Portuária e no Morro da Conceição, “Não se pode viver sem amor” valoriza uma beleza urbana e passa longe das típicas imagens de cartão-postal. Deixa de lado praias cariocas e pontos turísticos para trabalhar com cenários que, indo além de uma função meramente figurativa, tentam dizer sobre os personagens. É assim que Jorge Durán consegue concatenar de forma coerente sua poética cinematográfica ao longo da narrativa, emoldurada com uma visualidade de cores fortes e vibrantes que marca sua primeira experiência com a tecnologia digital.

Com uma produção que emana subjetividade no roteiro e na técnica, o chileno derrapa apenas nos últimos minutos quando relega ao desfecho a superficialidade dos lugares-comuns, fazendo lembrar o típico final feliz e falso de telenovela.


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