28 de out. de 2011

Festival do Rio: A civilização da barbárie

Alçado ao título de filme mais controverso do último Festival Sundance, "A mulher selvagem" (2011) impressiona pelas verdades que jorram junto ao sangue e as tripas para desconforto do espectador. Visual e tematicamente violento, o longa toca no âmago de uma sociedade que gosta de bater no peito e bradar dizendo-se civilizada. É um incômodo nauseante pela fúria com que ataca o homem branco, educado e patriarca, aquele que esconde a própria selvageria sob a polidez do terno e gravata.


A produção, baseada no romance escrito por Jack Ketchum e pelo diretor Lucky Mckee, tem como enfoque central a instituição da família. Em uma pequena cidade, o advogado Chris Cleek (Sean Bridgers) descobre que uma mulher selvagem (Pollyanna McIntosh) vive na floresta onde costuma caçar. Decidido a civilizá-la, Chris captura a estranha, mantendo-a prisioneira no porão de sua casa. Tratada como um animal de estimação, a selvagem passa por sessões de tortura assistidas pela esposa e pelos filhos. Em meio às tentativas de domesticação, o público acompanha o esfacelamento dessa família, que revela, por trás das aparências, problemas doentiamente estruturais.

O roteiro trabalha, na maior parte do filme, com a expectativa de libertação da mulher e o perigo que representa caso consiga escapar. Há uma sensação constante de que o fim trágico (e sanguinolento) se aproxima. Ao mesmo tempo, o desejo de vingança passa a ser partilhado com o público, terrificado pela brutalidade com que a personagem-título é tratada. Chris é a epítome do garanhão bem-sucedido que, de civilizado, não tem nada. Extremamente sádico e cruel, bate na esposa submissa, estupra a prisioneira e  possivelmente, já que Mckee não deixa isso claro  mantem relações incestuosas com a filha mais velha, grávida de não se sabe quem. O filho, por sua vez, é a reprodução desse modelo de masculinidade, cuja violência é aceita naturalmente, como essência do sexo que detém o poder.

Longe de ser meramente a libertação da selvageria, o gran finale leva a repensar os paradigmas de civilidade. Não é a vitória da mulher selvagem. É a revolta contra uma civilização da barbaridade.

Durante a premiere do Festival de Sundance, um homem na plateia fez um escândalo durante a sessão de "A mulher selvagem" por se sentir ofendido com o filme. Veja o vídeo abaixo.


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